Física
Mais rápido que a luz
O táquion, partícula hipotética,
alimenta o sonho de inúmeros cientistas de superar o limite universal de
velocidade, sem violar a Teoria da Relatividade. O centro das dificuldades é
uma dedução de que um objeto capaz de superar a velocidade da luz também pode
viajar para o passado.
No século XIX, algumas pessoas
acreditavam que nunca seria possível viajar mais rápido que o som, acima de 331
metros por segundo, ou 1192 quilômetros por hora. Até que em 1947 o piloto
americano Charles Yeager quebrou essa barreira a bordo do avião foguete Bell
XS-1. Essa história é às vezes usada para se argumentar que não existem limites
à velocidade: com tecnologia adequada qualquer tipo de barreira cairia. A
velocidade da luz, no entanto, constitui um limite físico inexpugnável.
Deslocando-se no vácuo a 299 000 quilômetros por segundo, a luz não é apenas
muitíssimo mais rápida que o som. Na verdade, ela não pode ser superada, por
principio, não importa o quanto se aperfeiçoem as tecnologias.
Em vista disso, o que significa dizer
que algo é mais veloz que a luz? A resposta é um mundo de paradoxos, no qual o
próprio sentido do tempo pode se inverter – a ponto de uma pessoa poder
conversar consigo mesma no passado. Para isso, ela teria que enviar suas
mensagens por meio de certas partículas hipotéticas, os táquions (termo grego
que quer dizer ‘rápido’). É o que relata o professor e divulgador cientifico
inglês Paul Davies, no texto a seguir, adaptado.
A idéia de que existe uma barreira ao
deslocamento dos coros nasceu com a Teoria da Relatividade de Einsten,
publicada em 1905. Seu principio central pode ser compreendido a partir de uma
experiência real que analisa pulsos de rádio (tanto o rádio quanto a luz são
formas de ondas eletromagnéticas e se deslocam com a mesma velocidade). Tais
pulsos são emitidos, por exemplo, por um objeto situado na constelação
Monoceros, a cerca de 16 000 anos-luz da Terra. Trata-se de um pulsar binário,
formado por duas estrelas altamente compactas, ou estrelas de nêutrons , que
giram uma em torno da outra. A gravidade que liga as duas estrelas é tão forte
que elas percorrem suas órbitas a 200 quilometros por segundo, ou 0,1% da
velocidade da luz.
A cada 59 milésimos de segundo uma
das estrelas emite um sinal de extraordinária regularidade – como otique-taque
de um relógio superacurado – que pode ser monitorado a partir da Terra. Ao
girar em torno de seu companheiro, um pulsar as vezes se aproxima um pouco da
terra e às vezes se afasta. Assim, pode-se ficar tentado a pensar que a
velocidade dos pulsos é maior durante a aproximação do que durante o
afastamento. Mas, se fosse assim, os pulsos mais rápidos alcançariam os mais
lentos, ao longo dos 16 000 anos-luz de viagem até a terra. Bastaria uma
minúscula diferença de velocidade para misturar os sinais de maneira
complicada.
Como nada disso acontece, essas
observações contituem confirmação direta do principio relativístico de que a
velocidade da luz é independente do movimento do observador ou da fonte de luz.
E tem uma conseqüência imediata sobre a possibilidade de uma viagem mais rápida
que a luz: obviamente, se a rapidez com que a luz passa não é afetada pelo
movimento de uma pessoa, esta nunca poderá alcançar aquela. É interessante
imaginar o que aconteceria se um foguete partisse da terra em perseguição a um
raio luminoso. Quando se liga o motor, a nave acelera e sua velocidade começa a
aumentar. À primeira vista, nada impede que o motor continue a acelerar o
foguete até a velocidade se tornar maior que a da luz.
Como enviar mensagens ao passado
Mas há um impedimento. Um observador
na terra veria a nave acelerar, inicialmente, mas depois de certo tempo
perceberia que a aceleração não corresponderia ao esforço do motor. À medida
que se aproximasse da velocidade da luz, seria preciso gastar mais e mais
combustível para conseguir um aumento cada vez menor de velocidade. O
observador observa esse fato como um contínuo aumento da massa da nave, que
cresce sem limite ao se aproximar da velocidade máxima do universo. A massa
extra torna o foguete mais resistente à aceleração, e nenhum acréscimo no
impulso o faria atingir aquela velocidade.
Não há aparelho em condições de
realizar tal teste, mas é possível acelerar partículas subatômicas a uma
velocidade quase igual à da luz. E isso realmente mostra que não se pode
acelerar um objetivo material além da barreira da luz. Mas, a Teoria da
Relatividade não faz restrição a objetos que sejam sempre mais velozes que a
luz. Daí a idéia dos táquions – partículas cuja velocidade nunca é inferior à
da luz. Portanto, eles também obedecem ao limite de movimento, mas no sentido
inverso ao usual.
Se os táquions existem, dever ter
propriedades estranhas. As partículas comuns, por exemplo, têm mis energia
quando se deslocam mais velozmente; os táquions, em vez disso, têm menos
energia. De modo que, se um deles perder energia, será acelerado e se tiver
energia zero, sua velocidade será infinita. Ele cruzará o Universo
instantaneamente! Isso porque o conceito comum de massa não se aplica a essas
partículas, que têm o que se chama de massa imaginária, no jargão técnico.
Enquanto é preciso gastar energia, ou realizar trabalho, para acelerar massas
comuns, deve-se realizar trabalho para desacelerar um objeto taquiônico.
O simples fato de a natureza permitir
a existência dos táquions, no entanto, não significa que eles efetivamente
existam. Resta saber se eles são reais ou mera hipótese. E, caso sejam reais,
onde se deveria procurá-los? Uma possibilidade é o Big Bang, a grande explosão
que deu origem ao Universo. Foi no Big Bang afinal, que se produziu toda a
matéria comum. Talvez a tórrida fase primordial do Cosmo tenha deixado resíduos
taquitônicos que se espalharam posteriormente pelo espaço. Os astrônomos estão
convencidos de que o espaço contém muita matéria sob forma desconhecida; é
intrigante a sugestão de que parte dela esteja em forma taquitônica.
Para testar essa possibilidade, é
preciso saber como os táquions se comportam em um Universo em expansão. Um gás
comum, por exemplo, torna-se mais frio quando se expande e isso significa que
uma molécula qualquer do gás está em agitação caótica, mas aos poucos se
aquieta. Na verdade, a expansão reduz sua energia: não é por outro motivo que o
intenso calor do Big Bang se diluiu. Um gás de táquions também perde energia,
mas deve-se ter em mente que isso acelera, em vez e aquietar tais partículas.
Assim, tal gás se aquece a uma taxa crescente ao longo da expansão. Quando se
chega à energia zero, a velocidade se tona infinita e as partículas deixam de
existir abruptamente.
Esse súbito desaparecimento pode se
melhor ilustrado em um diagrama de espaço-tempo, no qual uma partícula, ou uma
pessoa, aparece como uma linha mais ou menos inclinada na direção vertical. Se
a pessoa está parada, a linha é totalmente vertical, indicando que apenas o
tempo passa – se a pessoa está em movimento, à linha se desloca também na
horizontal, indicando mudanças e posição no eixo do espaço. Seguindo esse
raciocínio, vê-se que, quanto maior a velocidade, maior é o avanço para a
direita e maior a inclinação da linha. O limite é a velocidade da luz ( ou das
partículas de luz, os fótons). Inclinada de 45 graus, essa linha corre a igual
distância dos dois eixos.
Partículas mais rápidas que a luz,
como os táquions, tem angulo mais acentuado que 45 graus e tendem a ficar
horizontais quando a velocidade se aproxima do infinito. É como se estivesse
simultaneamente em muitos lugares e o tempo não passasse para elas. Diz-se
então que tais partículas deixam de existir no espaço-tempo e esse é o efeito
que a expansão do Universo tem sobre elas: encurva suas linhas até a
horizontal, quando deixam de existir. Caso tenha sido este o destino de todos
os táquions produzidos pelo Big Bang, a maior esperança de encontrá-los é numa
experiência de física de partículas. Em 1974 um grupo de pesquisadores da
Universidade de Adelaide, Austrália, registrou o trajeto de uma partícula em
tempo tão curto que só poderia ter sido feito em velocidade superior à da luz.
A partícula foi vista em raios cósmicos – criados na alta atmosfera pelo choque
de núcleos atômicos vindos do espaço. Apesar disso, todas as tentativas
posteriores deram resultado negativo. Daí o atual ceticismo dos físicos,
agravado por obstáculos de ordem teórica e também filosófica.
O centro das dificuldades é uma dedução
da Teoria da Relatividade de que um objeto capaz de superar a velocidade da Liz
também pode viajar para o passado. O diagrama de espaço-tempo ajuda a entender
por quê. Desta vez, no entanto, é preciso desenhá-lo dói ponto de vista do
observador que está em movimento, que se pode batizar de João. Vale à pena
comparar esse diagrama com os anteriores, desenhados do ponto de vista do
observador imóvel, batizado José. O primeiro ponto relevante é que a linha da
luz não se altera em obediência ao preceito relativístico de que sua velocidade
não muda se o observador está em movimento.
As outras linhas ficam mais
inclinadas para a direita, mas o segundo ponto importante é que, ainda assim
elas continuam limitadas pela linha da luz. As linhas de movimento mais
vagaroso que o da luz ainda estão mais próximas do eixo do tempo, e aquelas de movimento
mais rápido, mais próximas do eixo do espaço. Assim, o movimento relativo dos
observadores não poderia transformar uma partícula comum em táquion. Mas
nota-se algo estranho com as linhas deste último: a que é vista por José
inclina-se para cima e a outra, para baixo. O problema e que o tempo corre ara
cima no diagrama.
Tal possibilidade cai como uma bomba
sobre a idéia de causa e efeito. Basta imaginar que essa ultima linha mostra o
táquion entre um canhão de partículas e um alvo que explode ao ser atingido.
Então, do ponto de vista de João, o alvo explode antes de o canhão ser
disparado! Também se pode interpretar essa situação dizendo que a explosão do
alvo é a causa do disparo – e não seu efeito. De uma maneira ou de outra,
eventos que são aceitáveis para o observador imóvel, parecem bizarros aos olhos
de que se move. Tais possibilidades inspiram paradoxos divertidos ou tormentos
metafísicos, dependendo da inclinação pessoal de cada um.
Num enredo possível, os personagens
trocam enganosos sinais taquiônicos entre si. Nesse caos, não há nada demais do
ponto de vista de quem envia a primeira mensagem. José por exemplo, pensará que
João recebe o sinal depois de ser enviado. Mas João pode não concordar: se ele
retrucar à mensagem recebida, a resposta pode chegar ao destinatário antes de
este enviar o sinal original. Ou seja, por intermédio, de João, José Poe até
mandar um recado para si mesmo – mas no passado. Que atitude se deve tomar
diante de tais incongruências? Os escritores de ficção científica ficam
deliciados.
Para muitos dos físicos
profissionais, porém, os paradoxos do tempo impugnam por completo o conceito de
táquions. Uma maneira de evitar dilemas seria isolar tais partículas do mundo
convencional. Desde que não se procure agir ou exercer controle sobre elas, não
há por que pensar em paradoxos. Uma conclusão, pelo menos, parece certa? Embora
conduza a possibilidades difíceis de compreender, a existência os táquions não
viola as leis da natureza. Então, talvez se possa invocar a seu favor uma
curiosa regra informal da ciência: se algo não é estritamente proibido, a
natureza tende a produzi-lo, de uma forma ou de outra. Não deve causar surpresa
se um dia alguém surgir com evidencias desse estranho viajante do espaço-tempo.
“A primeira e única pista dos
táquions surgiu erm 1794 numa chuva de raios cósmicos”